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LUZIA GUERREIRA – SUA TRAJETÓRIA

Foto do escritor: Iêda LimaIêda Lima

Luzia de Oliveira Lima nasceu no sítio Quandu, no município de Guarabira. Foi registrada em 05 de abril de 1934 com o nome de Luzia de Oliveira e Silva, com data de nascimento dia 30 de dezembro de 1929, como filha de José Veríssimo da Silva e Maria do Carmo de Oliveira e Silva. Seus avós paternos eram Veríssimo Mendes da Silva e Manuela Mendes da Silva. Os avós maternos eram Salustiano Jorge de Oliveira e Joana Maria do Carmo.


Conhecida como a rainha do brejo, pelo fato de ser a principal cidade-polo de uma região que se caracteriza pela regularidade de chuvas, Guarabira foi fundada em 1694, fica a 98 quilômetros de distância de João Pessoa e a 100 quilômetros de Campina Grande.

 

A primeira tentativa de investigar as origens de Luzia de Oliveira Lima se deu no ano de 2016. Na companhia da guerreira Luzia, Iêda, Ilma e Leudo viajaram rumo ao brejo paraibano. Passaram pela terra do cantor e compositor Jackson do Pandeiro (Alagoa Grande) até chegar a Guarabira, sede do município que abriga o sítio Quandu, onde Luzia nasceu.

 

O objetivo da viagem era verificar no cartório os registros originais de Luzia, seguindo a pista da sua certidão de casamento. Como era muito comum naquela época, embora Luzia tivesse nascido em dezembro de 1929, somente havia sido registrada em abril de 1934, em Mamanguape, a 50 quilômetros de Guarabira.

 

Assim, a expedição seguiu viagem em busca de mais informações. A confiança deu uma rasteira no medo de sair estrada afora, grande parte em pista simples, deficiente em sinalização e esburacada, com caminhões pipa “pra cima e pra baixo”, transportando água para abastecer as cidades vizinhas, pois a Paraíba estava atravessando um período de seca.

 

No cartório, em Mamanguape, pôde-se ver o livro desgastado pelo tempo, onde foram feitas as anotações com pena metálica molhada na tinta, e as assinaturas de José Veríssimo. Quando perguntamos se havia alguma forma de aprofundar a pesquisa da árvore genealógica, com eventuais cópias de documentos que pudessem ter sido retidas lá, o escrivão nos fez fazer uma viagem para a realidade dos anos 30, época em que a palavra e o fio do bigode serviam de documento; ou seja, não seria possível.

 

Luzia teve como irmã materna Jacira de Oliveira Veríssimo, nascida em 16 de fevereiro de 1929.

 

Ou seja, pelo registro, Jacira é dez meses mais velha do que Luzia. As irmãs nunca se entenderam sobre quem era a mais velha. Luzia dizia ser a primogênita; Jacira insistia ser ela a que veio primeiro. Se as certidões realmente registraram as datas corretamente, Jacira tinha razão. A mais velha faleceu em 22 de março de 2023, aos 94 de idade, carregando o nome Veríssimo porque havia casado com seu primo José Veríssimo Sobrinho.

 

Não há registros de quando Luzia veio para Campina Grande; tampouco foi possível recuperar a memória, com algum familiar mais velho. Sabe-se que os pais se separaram, quando ela e a irmã Jacira tinham cerca de dois anos de idade, tendo o pai José Veríssimo ficado com a guarda de ambas. Assim, elas conviveram muito com a avó paterna Manuela. Primeiramente, num sítio, na região de Mulungu; depois, noutro sítio, na região do Riachão de Bacamarte.


Luzia relatava que ela e Jacira ajudavam a avó a plantar e colher feijão e outras leguminosas e verduras, que elas plantavam para sobreviver.


Quando seu pai se instalou em Campina Grande, constituiu uma nova família, tendo trazido a nossa tetravó Manuela e as duas filhas Luzia e Jacira, para morar com eles. Instalaram-se em uma casa à rua Quebra-Quilos, em frente ao atual ISEA (Instituto de Saúde Elpídio de Almeida), a antiga Maternidade Municipal, inaugurada em 05/08/1951.


Do segundo casamento de José Veríssimo com Maria José, Luzia teve, por parte de pai, os seguintes irmãos: João (19/04/1937), Tereza (02/05/1938), Ivone (14/06/1939), Antônia (Toinha) (21/06/1941), Conceição (10/12/1946), Elza (01/02/1948) e Marluce (14/12/1050).

 

Sabe-se que Luzia era uma moça muito bonita, altamente cobiçada por partidos altos, inclusive próceres da indústria alimentícia de Campina Grande. Mas foi a Otávio que Luzia de Oliveira e Silva decidiu entregar seu coração e sua vida. Assim, ela se casou com Otávio Adelino de Lima no dia 31 de outubro de 1946, quando passou a adotar o nome de Luzia de Oliveira Lima.


Dessa união, que durou exatos 36 anos, dois meses e 10 dias, nasceram 12 filhos: Iêda (1948), Iara (1949), Lúcio (1951), Ilma (1953), Leudo (1955), Levi (1956), Lucas (1958), Iris (1961), Laércio (1963), Lívio (1966), Leidson (1967) e Ilce (1968). Vinte anos depois, mais precisamente em 1987, a viúva Luzia adotou nosso irmão Klebernilson (Kléber).

 

Os primeiros oito filhos, até Iris, Luzia os pariu em casa, com a ajuda de parteira. Há um episódio muito interessante, ocorrido com Lucas, que se escondeu dentro de um cesto de roupa suja, para matar a curiosidade de como seria o nascimento de um bebê (Iris). Mas o bisa Otávio o encontrou e levou-o para juntar-se aos demais irmãos, na casa de Jacira.

 

Como esposa e companheira, Luzia viveu como a maioria das mulheres da sua época: dependente financeiramente, cuidadora da saúde e dos estudos dos filhos, responsável pela feira semanal, com dinheiro curto, pela preparação e divisão igualitária da comida e sempre pronta para atender as necessidades sexuais do marido.

 

Prevenida e extremamente limpa na manutenção da casa, estava sempre arrumando, cozinhando, lavando e passando roupas, com ferro de engomar movido a brasa, e costurando. Criativa, em dias de chuva ela secava nossos lençóis molhados de xixi sobre bacia de ágata, emborcada sobre o fogão a lenha, para assegurar que pudéssemos dormir sequinhos à noite.

Até tentou corrigir, a seu jeito, essa nossa enurese noturna, castigando-nos com lapadas nas palmas da mão com uma escova de lustrar sapatos, que fazia as vezes de palmatória, método muito comum até os anos 60 do Século XX. Mas, somente o tempo se encarregou disso.

 

Luzia teve um período em que sofria de periódicas crises de enxaqueca, cuja causa foi por ela própria diagnosticada, anos depois, ao cortar carne vermelha da sua dieta.

Tinha um sonho de trabalhar, para conquistar independência financeira e ajudar no sustento dos filhos. Sua maior glória foi ter conseguido, por conta própria, um emprego de camareira no Hotel Ouro Branco. Porém, ao comparar o ganho efetivo com o desgaste do acúmulo de trabalho fora e dentro de casa, pois este não diminuiu, ela desistiu.

 

Isto não a desanimou. Seguiu fazendo o que mais sabia e gostava: cuidar. Cada um dos seus filhos, netos e bisnetos, nas suas devidas proporções, guardam uma memória afetiva dessa mulher prevenida, extremamente cuidadosa com as crianças e de elevado senso de resolução de problemas, com poucos recursos, sejam educativos ou financeiros.

 

Quem não se lembra dela mostrando como andar, em especial para atravessar uma rua? “Nunca pegar na mão! A criança pode se soltar. Pegar sempre no punho.” Netos relatam que diziam: - Vovó, solta um pouquinho! – Só solto quando chegar em casa.

Quem não se lembra da bisa Luzia obrigando calçar o chinelo ou vestir um casaco, para não pegar gripe?

 

Vaidosa, Luzia adorava se arrumar, usar perfumes e ensinar a combinar as cores.

Quem não se lembra da sua técnica de passar perfume? Atrás da orelha, no meio dos peitos e até no pipiu, como ensinava ela para suas netas.

 

Altiva, muitas vezes desobedecia às regras estipuladas pelo marido, deixando os filhos andarem de carrinho de rolimã, dentro de casa. O bisa Otávio reclamava, mas acabava cedendo. Talvez por ver que a exceção à regra poderia ser motivada por mal tempo lá fora.

 

Apressada, gostava muito de andar a pé e deixava qualquer um pra trás, que não conseguisse acompanhar seu ritmo. Menos as crianças, claro, que tinham que correr para acompanhar seus passos, pois estavam seguras pelo punho. Risos.

 

De uma vitalidade e energia fora do comum, bisnetos se lembram dela puxando carrinhos na lama com eles, se pendurando em árvores e até tentando plantar bananeira.


Dona de uma presença de espírito de dar inveja, não se apertava pra nada! Quem não se lembra dela arrumando dormidas dos netos embaixo da mesa comprida? Coitados deles, pois ela deitava numa rede no mesmo ambiente, para controlar a situação. Como? Soltando seguidos peidos que fazia a meninada se acabar de rir, relaxar e cair no sono.


Cuidadosa com a saúde, dela e dos seus, após tomar consciência da importância da alimentação saudável, quem não se lembra das recomendações para comer gergelim, que além de ser “bom para os ossos” curava um monte de doenças, segundo ela?


Exigente nos detalhes, aos 95 anos ainda impressiona, quando vai cortar o papel higiênico. Mesmo sonada, no meio da noite, procura com cuidado onde está picotado, para não rasgar o dito cujo.


De autoestima elevada, adora se arrumar, sentir-se bonita e cheirosa; e reage quando lhe perguntam se quer usar bengala. Adorou a ideia das barras, que a auxiliam a se levantar.


Atenta e perspicaz, faz elogios e sorrir para as pessoas que a visitam ou telefonam pra ela, mesmo que não as reconheça, e responde com firmeza que “todos são iguais”, quando provocada para confessar quem é o filho, neto ou bisneto preferido.


A perda do marido, em 10 de janeiro de 1983, teve um efeito duplo. Por um lado, sentiu-se sozinha a seguir enfrentando os desafios de administrar uma casa, com uma pensão aviltada. Por outro, sentiu-se livre para decidir sobre seu destino. Esse conflito de sentimentos pode ter sido o gatilho para a manifestação mais aguda da bipolaridade, que a fazia transitar entre as crises de euforia e depressão. Os filhos mais velhos, já adultos e de famílias constituídas, muitos residindo em cidades distintas, juntaram-se numa “força tarefa” para reduzir ao mínimo possível os efeitos nefastos dessas crises, sem ferir sua autonomia.

 

Entre erros e acertos, entre conflitos e acordos, essa força tarefa inicial foi transformada numa bem estruturada “Rede de Apoio”, com a decisiva participação dos filhos mais novos e até de netos, que foi se aperfeiçoando com os anos, formando uma verdadeira “empresa” capaz de administrar seu orçamento, sua saúde, os cuidados diários com seu bem-estar e segurança, a manutenção da sua casa e, o mais importante, o carinho permanente. As decisões se dão por consenso; mas, quando necessário, parte-se para votação, sendo respeitada e seguida a decisão da maioria.

 

Essa Rede de Apoio inclui também um importante projeto de cobertura das cuidadoras nos finais de semana, pelos filhos que residem em Campina Grande, João Pessoa e Recife. Assim como em outros projetos da Rede de Apoio, a Agenda Carinho para Mamãe, como chamamos essa ação, é planejada trimestralmente para o trimestre seguinte, seguindo critérios democráticos e justos de alocação de cada um, nos respectivos finais de semana.

 

Sempre animada e brincalhona, divertia os netos e bisnetos com suas mungangas e ainda tem abertura para sentir e transmitir alegria, mesmo aos 93 anos de idade.


Com a memória cada vez mais comprometida, pelo processo natural de senilidade, aqui cabe incluir um emocionante depoimento da bisneta Lavínia:


Jamais esquecerei de um episódio em que estava com minha mãe e encontrei tio Leidson, acompanhado de vó Luzia, na SEJA (centro espírita). Eles vieram falar conosco, mas minha avó não nos reconheceu. Sequer sabia do nosso parentesco. Tio Leidson desistiu de tentar lembrá-la e continuou proseando com minha mãe, enquanto a bisa apenas olhava para mim, meio aérea. Mas, para minha surpresa, como que atingida por um raio fugaz de lucidez, o olhar de vó Luzia mudou completamente! Ela olhou para mim e com muito carinho no tom de voz, disse: "Lavínia, minha filha, como você está linda!". Segurou minhas mãos e ficou sorrindo para mim por um tempo. Depois, caiu no esquecimento novamente. Até hoje quando lembro, me emociono.


O cérebro dela pode esquecer, mas aí está a prova de que a alma lembra, sempre!


dona luzia e dona ieda
Dona luzia sempre sorridente

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